A indústria aérea pede para ser vista como uma atividade essencial

Quanto tempo precisamos perder a conectividade para acreditar? Por José Ricardo Botelho, CEO da Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo - ALTA 

(Source: ALTA)

No cenário atual, o setor aéreo brasileiro dá sinais claros de que precisa de oxigênio para garantir sua sustentabilidade. Neste imenso país, o setor enfrenta adversidades significativas que transcendem uma única empresa, abrangendo questões fundamentais que afetam não apenas as companhias aéreas estabelecidas, mas também aquelas que desejam entrar no mercado e a própria população.

De 2010 a 2022, as companhias aéreas no Brasil acumularam um prejuízo significativo de 54 bilhões de reais, com apenas três anos de lucro líquido (2010, 2017 e 2019). Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), os números do período de janeiro a setembro de 2023 indicam um prejuízo de 1,5 bilhão de reais. Estamos diante de uma realidade que exige ações imediatas para reverter a situação. E todos enviam os mesmos sinais de alerta: custos operacionais, judicialização, segurança jurídica para investimentos e falta de visão estratégica para um serviço público essencial num país continental como o Brasil.

Os desafios operacionais da aviação, nomeadamente do combustível, que representa 40% destes custos, têm sido um factor determinante na inviabilidade económica das empresas. É intrigante notar que, na precificação do QAV (querosene de aviação), a fórmula PPI é utilizada para 100% do combustível distribuído, embora 92% seja produzido internamente no Brasil. Até quando milhões de brasileiros continuarão sendo sacrificados por isso? Por que não analisar o problema de forma real e encontrar uma solução adequada? Esta disparidade requer uma análise aprofundada, especialmente quando se considera o impacto direto nos custos operacionais das companhias aéreas. Não se trata apenas de viagens de negócios, mas o turismo no país também não consegue desenvolver todo o seu potencial. Um país lindo, com riquezas naturais diversas e únicas, acaba por impedir que tudo isto esteja à distância de um voo.

Em 2020, a promulgação da Lei 14.034 trouxe medidas importantes, incluindo a introdução do artigo 251-A no Código Aeronáutico Brasileiro. Essa legislação estipulou a obrigatoriedade da comprovação do dano moral em situações de descumprimento contratual no transporte. No entanto, permanecem questões sobre por quanto tempo as decisões judiciais não conseguirão aplicar esta legislação de forma consistente. A existência de insegurança jurídica no país é inegável. Na realidade, esta instabilidade tornou-se um obstáculo à entrada de novas empresas estrangeiras no mercado brasileiro, o que poderia trazer investimentos importantes e impulsionar o setor aéreo. Quanto ao impacto interno, permanece a questão: durante quanto tempo serão as empresas nacionais responsabilizadas por alegados nexos causais inexistentes, alegando “risco empresarial”? Responsabilizar essas empresas por eventos como chuvas, tempestades e fechamentos de espaço aéreo não faz sentido, principalmente quando a decisão de não voar é tomada com o objetivo de preservar vidas. Algo está errado quando o Brasil lidera o número de ações judiciais no mundo e uma indústria de “sites abutres” é incentivada a promover litígios, embora as empresas nacionais sejam reconhecidas entre as mais pontuais do planeta. Isto vai contra os princípios básicos do direito.

É essencial que o sistema judicial adote uma abordagem consistente com a Lei 14.034. Isto não só reforçará a segurança jurídica, mas também aliviará a carga sobre o sistema judicial, trazendo benefícios para a sociedade como um todo. Em última análise, está a perpetuar uma injustiça que prejudica a própria sociedade que procura proteger. Até quando continuaremos a negligenciar uma visão sistémica do problema à escala nacional? Até quando se entenderá que aplicar a lei sem uma análise económica e sem prever o impacto social que está a causar não estará condenando milhões à ausência de voos nas suas localidades.

Durante a pandemia, enquanto outras nações investiram em sua aviação, não houve ajuda financeira no Brasil. E, sejamos claros, ninguém pedia doações, mas sim medidas de mercado que pudessem permitir a sobrevivência de um setor vital para o país. O Brasil precisa reconhecer a importância da conectividade para o seu desenvolvimento. Os sinais são evidentes e é imperativo tomar consciência da necessidade de medidas urgentes. Combater os fatos não é produtivo. A complexidade da situação aumenta a cada dia e culpar unilateralmente uma das partes não é justo. A passividade pode comprometer todo o sistema e a história ensina-nos que as medidas de última hora nem sempre têm a racionalidade que um sector intensivo em capital necessita.

Sem infra-estruturas aéreas robustas, o crescimento económico e as condições de vida ideais tornam-se inatingíveis. É hora de enfrentar estes desafios de frente, afastando-se do populismo e das promessas vazias, pois a falta de apoio ao setor afeta a todos. Pagar para ver não será bom para a sociedade brasileira. Não buscamos soluções mágicas ou panacéia, mas é hora de fazer um esforço coletivo para olhar com orgulho para o céu, admirando o legado de Santos Dumont. Isto não é mera retórica, basta observar o valor atribuído pelo país dos irmãos Wright, onde até a legislação relativa à recuperação judicial é mais segura que a brasileira e é procurada por todos. O que falta a este país, que tem PIB quase igual ao de França, Itália, Rússia, maior que Austrália, Espanha, entre outros, para ter a mesma conectividade? Vamos pensar? Por que apenas 0,5% dos brasileiros acessam o transporte aéreo? Vamos pensar?

Uma indústria aérea saudável é um motor essencial para o progresso. Mesmo diante das dificuldades, a aviação desempenha um papel crucial para o turismo brasileiro, contribuindo com os 7,8% do PIB que este setor representa. Também desempenha um importante papel social, exemplificado pelo transporte gratuito de 5.820 itens para transplantes (órgãos, tecidos, equipamentos e materiais, entre outros) em 2023, segundo dados da Central Nacional de Transplantes (CNT). Precisamos trabalhar juntos: governo, cadeia produtiva e empresas para superar obstáculos, garantindo que o Brasil voe ainda mais alto. Recomenda-se que o som deste motor seja ouvido antes que a conectividade do país seja comprometida de forma insustentável.


© Copyright 2022. Travel2latam.com
950 Brickell Bay Drive, suite 1811, Miami, FL, 33131. USA | Ph: +1 305 432-4388