Entrevista com Jurema Monteiro, presidente da ABEAR, Associação Brasileira das Empresas Aéreas

Jurema Monteiro, presidente da ABEAR, em entrevista ao Diário do Turismo fala sobre o mercado de aviação brasileiro, a presença das mulheres no setor e no turismo, reforma tributária e muito mais

(Source: Erivelton Viana)

Fuente: Diário Do Turismo.

Jurema Monteiro é a primeira mulher presidente da ABEAR (Associação Brasileira das Empresas Aéreas), a missão é grande e Jurema responde com profissionalismo, gentileza e coragem, proporcionando grande experiência.

Nesta entrevista exclusiva, Jurema Monteiro falou sobre sua carreira, os desafios e potencialidades do setor de aviação, a reforma tributária, o Combustível Sustentável de Aviação (SAF) e o legado deixado por Eduardo Sanovicz. Verificar:

DIARIO – Jurema, você trabalhou em diversas agências de viagens, lecionou na Universidade de Brasília (UNB) e trabalhou em importantes organizações de turismo brasileiras, a Embratur e o Ministério do Turismo. Com toda essa experiência, foi fácil aceitar a presidência da ABEAR?

Jurema: Calma, não diria, mas acho que foi orgânico. Faz parte da minha carreira, que foi construída ao longo dos últimos 25 anos, desde que comecei a trabalhar no setor do turismo. Venho de uma família de classe média, pais trabalhadores e funcionários públicos, e sempre adorei viajar, embora a minha família não tivesse muito acesso a isso.

A primeira vez que entrei no avião, acho que tinha uns 13 anos, achei incrível e falei: “ah, quero viver disso”, e acabei optando por estudar Turismo, e tive ótimas oportunidades e ótimos professores trabalhando. Por onde passei...

Com isso venho construindo uma formação que me permite chegar a esta posição aqui na ABEAR com um certo conforto e conhecimento, experiência, no mínimo, não é que seja fácil. Mas acho que é orgânico, é natural estar aqui. Claro que existem muitos desafios, o sector aéreo, também o sector do turismo, que enfrenta actualmente um momento muito difícil, em termos de custos, no diálogo com os consumidores, no diálogo com a sociedade como um todo. E um olhar muito importante para o futuro, como este: “Como queremos desenvolver-nos e contribuir para o mundo a partir de agora?”

Então, essa experiência acumulada me deixa confiante de que temos as ferramentas para enfrentar esses desafios, mas há muito trabalho pela frente.

“Criar diagnósticos, construir relacionamentos e envolver pessoas”

DIARIO – Você também tem especialização em comunicação e mestrado em cocriação pela Universidade de Brasília (UnB). Você pode nos contar um pouco mais sobre essas experiências e como elas são importantes na sua formação?

Jurema: Acho que ao longo desses anos, toda a minha formação, desde a universidade, até a especialização, até o mestrado, contribuiu para formar uma visão mais ampla dos ambientes em que navego, onde “voo”. Isto porque, com a minha formação em turismo, compreendi a complexidade deste ecossistema no setor em que atuamos.

Mas a especialização em comunicação, e o mestrado, acho que melhorou a minha capacidade de fazer diagnósticos, de construir relacionamentos, acho que isso é fundamental para o desenvolvimento do meu trabalho hoje. Baseia-se na informação, na construção de relacionamentos, mas também na criação de um propósito comum. Então eu tenho que conversar com as pessoas e preciso envolvê-las nas nossas agendas, nos nossos temas, e a especialização em comunicação, o mestrado também, me ajudou a criar essas pontes.

“Mulheres ascendendo a cargos de liderança”

DIÁRIO – Você foi diretor e atualmente é presidente da ABEAR. Além disso, ela é a primeira mulher a chefiar a Associação. Dado que a aviação ainda é um setor predominantemente masculino, sentiu alguma resistência ao assumir a função?

Jurema: Acho que nós mulheres ainda temos bons desafios a superar. Não creio que hoje tenhamos um ambiente fechado, pelo contrário. Assim, a própria ABEAR, por exemplo, é signatária de um acordo, um compromisso, aliás, com a IATA, de ter pelo menos 25% de mulheres em cargos de gestão. No nosso caso temos mais que isso, porque dentro da ABEAR somos uma equipe de liderança. Além de mim como presidente, a Karen coordena toda a área de Comunicação e temos um ambiente muito plural aqui. E vejo isso acontecendo cada vez mais entre nossos associados.

Tanto na GOL, como na LATAM e na Voepass, vemos mulheres ascendendo a posições de liderança. Acho que somos sempre desafiados pelo ambiente externo, mas acho que somos mais desafiados por nós mesmos. Acho que nós, mulheres, nos esforçamos muito para ser 100% eficientes, e isso é bom. Porque acredito que podemos oferecer um trabalho da mais alta qualidade. Mas às vezes, na nossa competição entre homens, poderíamos nos cobrar um pouco menos, talvez, e ainda assim entregar trabalho. Mas, normalmente, cobramos muito.

Uma atmosfera acolhedora

Acho que encontrei um ambiente muito receptivo. Quando o nosso Conselho de Administração, ao tomar a decisão de me convidar para este cargo, soube deste desafio que temos no mundo. Mas justamente por isso acho que ele também apontou a possibilidade de termos uma mulher negra na presidência, porque isso simboliza muito para o nosso país, para os tempos que vivemos.

“Espaço para crescer, com novas empresas e com as que já existem”

DIÁRIO – Como você avalia o mercado aeronáutico brasileiro, com ainda poucas companhias aéreas que oferecem serviços à população e uma tarifa média muito elevada para o consumidor geral?

Jurema: A aviação é um setor que se comporta de forma muito semelhante em todo o mundo. Mesmo em mercados muito competitivos, como a Europa, os Estados Unidos ou países vizinhos, não temos uma proliferação de muitas empresas. É um mercado que, de fato, exige muito capital. Portanto, para abrir uma companhia aérea é necessário muito investimento. E é óbvio que este investidor vai olhar para todo o ambiente em que está a entrar: a segurança jurídica que este mercado tem, a resposta da procura, os sinais e indicadores económicos.

Acho que nesse contexto o Brasil tem se mostrado muito competitivo e resiliente. Nossas companhias aéreas brasileiras superaram os desafios da pandemia sem receber diretamente nenhum investimento público, ao contrário de muitos mercados no mundo.

Eles conseguiram superar isso através de uma operação eficiente. As equipes foram muito eficientes, e acho que hoje conseguimos isso aí, com um esforço conjunto, que envolveu a ABEAR, que envolveu os Associados, que envolveu o nosso Congresso, que foi sensível às medidas de flexibilização, por exemplo, remarcações e descontos, que ajudou empresas com dinheiro na época. Então, nesse contexto, acho que conseguiram superar o ambiente mais hostil dos últimos anos.

Desde 2018 apoiamos uma Medida Provisória, que acabou virando lei e hoje permite o investimento de capital 100% estrangeiro em empresas no Brasil. Antes tínhamos uma restrição de 20%, que foi ampliada para 100%. E é muito saudável que outros investidores venham para o país, entendemos que este é um ambiente aberto e que devemos cumpri-lo. Mas o facto é que neste momento não vimos isto concretizar-se. Hoje, pelo menos que eu saiba, nenhum grupo estrangeiro vem ao país fornecendo recursos para operações internas.

Acho que isso também me traz de volta às primeiras questões: o ambiente que temos é seguro o suficiente para atrair esses investidores? Está na moda, do ponto de vista da procura, atrair novos investidores? Tendo essa convergência de atores, acredito que sim, temos espaço para crescer, mesmo com novas empresas. Mas também com as empresas que estão aqui, porque são muito eficientes.

Hoje temos, nas companhias aéreas brasileiras, uma exigência de pontualidade, regularidade, atendimento, com padrão à altura de qualquer outro mercado competitivo fora do Brasil. Embora tenhamos um baixo número de viagens per capita. Hoje temos um número muito baixo de viagens por pessoa e num país como o Brasil sabemos que isso pode aumentar e estamos trabalhando para isso.

Na ABEAR, esta é a nossa missão. É apoiar o desenvolvimento de políticas públicas, de medidas que possamos promover para que o setor cresça, que é o que mais queremos. Transportar mais pessoas e servir mais pessoas.

“Defendemos que a Reforma Tributária seja justa”

DIÁRIO – O projeto de Reforma Tributária tramita no Congresso. Na sua opinião, a adoção de uma alíquota diferenciada para o setor de turismo resolve os gargalos das companhias aéreas?

Jurema: Na verdade, hoje temos vários desafios. Pensando então no que aconteceu no setor nos últimos anos: durante a pandemia vivemos um momento muito difícil, em que reduzimos muito os rendimentos das empresas e mantivemos, ou até aumentamos, os custos operacionais. Porque vimos um aumento do câmbio em relação ao período pré-pandemia. Depois, um aumento nos preços dos combustíveis e a questão do custo em si.

De uma forma geral, sabemos que independentemente de estarmos ou não no setor aéreo, o nosso custo de vida hoje é muito superior ao de 2019, antes da pandemia. Então, o grande desafio que temos hoje é estabelecer medidas estruturantes para que possamos voltar a um ambiente de custos competitivos. Um ambiente no qual as empresas podem investir e crescer.

Um dos desafios levantados está relacionado com questões fiscais. O Brasil vem debatendo há muitos anos um modelo de Reforma Tributária. E a ABEAR tem se manifestado em defesa da Reforma Tributária, nesse sentido: ter um sistema que simplifique nos dará mais eficiência. É importante para a aviação, é importante para os sectores económicos. Mas defendemos que esta reforma seja feita de forma justa, sem aumento da matéria coletável nos setores.

Pela forma como o texto foi aprovado na Câmara dos Deputados, analisando esse texto, percebemos que há risco e comprovação, de fato, de aumento de ônus. E aí isso vai nos prejudicar porque o aumento da carga significa mais custos, mais custos que não podem ser absorvidos pelas empresas. E se afetarem o usuário, encarecerão o produto. Estamos a falar do risco de o setor encolher e não conseguir crescer e tornar-se mais atrativo para que viajem mais turistas, para que viajem mais passageiros.

Entendemos que uma alíquota reduzida, um bom regime especial, são importantes para que o Brasil mantenha o que fez a maior parte dos mercados desenvolvidos que a implementaram. Ou seja, significa manter um tratamento especial para o sector aéreo, que é um sector que acaba por induzir o desenvolvimento económico. Seja no setor de serviços, turismo ou eventos. Então, essa neutralidade através de alíquota reduzida ou regime especial é o que defendemos agora no Senado.

Programa de Combustível Futuro

DIARIO – A ABEAR apoiou o Programa Combustível do Futuro, que regulamenta a produção e uso de Combustível Sustentável de Aviação (SAF). Você pode comentar como o Brasil, especialmente as companhias aéreas nacionais, está posicionado nessa questão?

Jurema: Essa é mais uma agenda importante para nós, falar do futuro, falar do desenvolvimento do setor daqui para frente. Ao mesmo tempo que hoje se debate muito sobre os custos actuais do sector, utilizando combustíveis fósseis, temos estado a olhar para o futuro e a procurar estabelecer medidas para cumprir o compromisso que o sector da aviação tem a nível mundial de reduzir ou neutralizar a sua emissões até 2050. .

A agenda da sustentabilidade já não é um projecto, é um facto, por isso precisamos de cuidar – cada um de nós, cidadãos do mundo – dos sectores económicos, das medidas que nos ajudem a ter um ambiente mais sustentável e equilibrado .

“O Brasil tem uma das frotas mais jovens do mundo”

Para chegar a esta realidade, o setor aéreo tem investido muito em pesquisa e desenvolvimento, e existem caminhos de curto, médio e longo prazo. No curto prazo, o que pode ser feito: é possível investir em inovação tecnológica. Assim, por exemplo, a renovação da frota é algo que nos ajuda muito a ganhar eficiência, reduzir custos com combustível e reduzir emissões. E as empresas investem muito nisso, o Brasil tem uma das frotas mais jovens do mundo.

Eficiência operacional e redesenho de rotas

O segundo caminho no curto prazo é ganhar eficiência operacional, e até hoje publicamos uma nota falando do trabalho conjunto que temos com o DCE, que controla o espaço aéreo, que fizemos um trabalho de redesenho ou um recálculo de rotas aéreas ao longo de 2022 para ganhar eficiência.

Então, se eu conseguir conectar uma cidade a outra com uma rota mais curta e reduzir o tempo de voo, reduzo o consumo de combustível. Naturalmente, reduzo as emissões de gases. Então, esse é um trabalho muito positivo que podemos desenvolver agora, no curto prazo, e a ABEAR tem participado ativamente dessas agendas junto com seus parceiros.

Medidas de médio prazo

No médio prazo, para alcançar a neutralidade, estamos investindo fortemente na utilização de créditos no mercado de carbono. Mas para conseguirmos isso com mais segurança é muito importante que o Brasil avance na regulação do mercado de carbono. Porque, no longo prazo, a maior aposta do setor é a utilização de combustíveis sustentáveis.

Mas esta é uma medida que envolve muitas decisões e investimentos e por mais otimistas que estejamos, o Brasil tem muito potencial para se desenvolver nesta agenda, levará alguns anos para chegarmos à produção de SAF, como chamamos de sustentável combustível. , em quantidade suficiente para abastecer o setor.

Até conseguirmos isto a longo prazo, a regulação do mercado de carbono é talvez a medida intermédia mais importante em que podemos investir. O Brasil também tem muito potencial para crescer nesse mercado. Assim, com o tempo, até 2050, esperamos realmente que estas 3 agendas, de curto, médio e longo prazo, possam crescer.

Temos promovido muita discussão com o Governo, promovendo a regulação tanto do mercado de carbono como de um quadro regulatório para combustíveis sustentáveis. Porque neste marco regulatório entendemos que haverá segurança jurídica e elementos de incentivo à produção de SAF.

O que é importante falar quando falamos de incentivos? Sabemos que a transição energética tem um custo. A mudança de combustíveis fósseis para novos combustíveis envolve um grande investimento. Mas temos investido e conversado com outros países, procurando boas práticas, para ver que é possível fazer isso, incentivando-os. Procurando linhas de financiamento, até subsídios. Mesmo que sejam subsídios para que possamos criar um combustível novo e economicamente viável. Sem que isso gere aumento de custos para o setor.

DIÁRIO – Quais foram as lições que Eduardo Sanovicz deixou?

Jurema: Trabalho com o Edu há 21 anos. Nos conhecemos há muitos anos e nos últimos 21 somos muito próximos. Há 3 anos na Embratur e 8 anos aqui na ABEAR. Então a gente tinha uma relação muito próxima, eu e o Eduardo. Acho que ele é um ótimo professor e me ensinou muito. Acho que, principalmente, o maior aprendizado dele está relacionado à forma de lidar com as pessoas.

Olhar, prestar atenção nas pessoas, valorizar as pessoas, sejam elas aquelas que estão no nosso dia a dia, em equipe, em equipe, ou os colegas e amigos que fazemos ao longo do dia a dia no trabalho. Acho que foi uma grande virtude do Eduardo, que ele nos ensina muito.

E acho que tem um segundo aspecto, assim: Eduardo era um ser político. Ele estava sempre pensando, com a mente muito atenta aos movimentos e tendências. E dito isso, preste muita atenção ao planejamento. Ele estava sempre pronto e tinha algo planejado para o que aconteceria a seguir. É claro que nem sempre acertamos, mas tendo as coisas planejadas a vida fica mais ordenada. E acho que essas duas lições ficam comigo: olhar atentamente para as pessoas e planejar. Planeje sua vida, planeje seu futuro.

DIARIO – Por fim, qual o seu conselho ou mensagem para as mulheres que também desejam iniciar ou ingressar no setor aéreo e de turismo?

Jurema: Acho que não devemos ter medo. Você tem vontade, tem que ir atrás deles, tem que se preparar. Acredito que estudar e conhecer os temas que estão no nosso dia a dia é essencial. Mas o que eu disse aqui também é verdade: que nos cobrimos menos. Que possamos acreditar mais nas nossas capacidades e nos preocupar menos também. Porque acho que isso nos dá mais leveza para enfrentar os desafios.

Fuente: Diário Do Turismo.


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