Natal luminoso na cidadela dos cavaleiros, Valletta, capital da República de Malta, ergue-se sobre uma península estreita voltada para o Mediterrâneo, protegida pelos portos naturais de Marsamxett Harbour e Grand Harbour. A cidadela nasceu após o Grande Cerco de 1565, quando os Cavaleiros de São João decidiram fundar e fortificar uma nova cidade sobre esse promontório natural. As obras começaram em 1566 sob a direção do engenheiro militar Francesco Laparelli, com apoio do Papa Pio V e do rei Filipe II de Espanha, e a nova capital foi dedicada ao grão-mestre Jean Parisot de la Valette, autoridade máxima militar, espiritual e administrativa dos cavaleiros na ilha.
No período do Natal, esse traçado histórico ganha uma camada extra de encanto. As ruas principais, especialmente Republic Street e Merchant Street, recebem luzes, guirlandas e instalações fotogênicas que dialogam com a arquitetura barroca. Em cada esquina surgem árvores de Natal decoradas, criando um percurso espontâneo para moradores, famílias e visitantes. Na praça principal, uma grande árvore ornamentada com pratos de vidro, produzidos com a técnica de vidro mais conhecida do país, torna-se símbolo da temporada. No centro histórico, um presépio lindo, bem montado e articulado reforça a dimensão religiosa que estrutura o imaginário natalino em Valletta.
Mercados, sabores e experiências em família
Os mercados de Natal ajudam a compor a geografia afetiva da cidade. Valletta abriga versões menores de feiras temáticas na área da catedral e nas ruas centrais, com artesanato maltês, comidas típicas, doces natalinos e presentes locais. Nas proximidades, o Natalis Notabilis, realizado em Rabat, cidade vizinha muito procurada por quem está hospedado ou circula por Valletta, amplia a agenda de quem deseja explorar a região.
Na entrada da capital, a Fairyland – Santa’s City ocupa a área da Triton Fountain e transforma o acesso à cidade em um parque sazonal. A estrutura reúne roda-gigante com vista para o porto e para as muralhas, carrossel, casinha do Papai Noel, food trucks e barracas temáticas, formando um portal lúdico logo em frente à fonte dos tritões. A Triton Fountain (Il-Funtana tat-Tritoni) é resultado de um projeto vencedor lançado em 1953, com construção e instalação na década de 1950, em trabalhos principais entre 1952 e 1959. Criada pelo escultor Vincent Apap, em colaboração com o desenhista Victor Anastasi, substituiu estruturas antigas e consolidou um novo ponto de chegada a Valletta, com um grupo escultórico de tritões em bronze e um amplo espaço público que funciona como área de encontro e enquadramento fotográfico para a cidade velha.
A gastronomia é parte decisiva da experiência natalina. Durante o período, surgem delícias como o qagħaq tal-għasel (rosca de mel maltesa), o pudim de Natal e a imbuljuta tal-qastan, bebida quente de castanha com chocolate, além de menus especiais preparados pelos restaurantes de Valletta. Em 2025, o Guia Michelin confirma Malta como um dos destinos gastronômicos mais prestigiados do Mediterrâneo. Em Valletta, o ION Harbour ostenta duas estrelas Michelin, enquanto seis restaurantes da ilha têm uma estrela — De Mondion, Noni, Under Grain, Fernandõ Gastrotheque, Rosamì e Le GV. Ao todo, o guia reconhece 43 estabelecimentos em Malta e Gozo, distribuídos entre restaurantes estrelados, Bib Gourmand e Michelin Recommended, reforçando a força e a diversidade da gastronomia local.
Para famílias, a cidade oferece programação com atividades infantis, oficinas, contação de histórias e apresentações de marionetes. O centro histórico compacto facilita caminhadas, e as carruagens permitem reviver simbolicamente tempos medievais, somando-se ao encanto visual das ruas e praças iluminadas.
Valletta dos cavaleiros e da região metropolitana
A presença dos Cavaleiros de São João está na origem da cidade e na forma como ela se organiza até hoje. A Ordem de Malta, oficialmente Soberana Ordem Militar Hospitalária de São João de Jerusalém, de Rodes e de Malta, é uma ordem religiosa católica e, ao mesmo tempo, uma entidade soberana com mais de 900 anos de história. Seus membros — cavaleiros e damas — geralmente católicos, assumem compromissos espirituais e atuam em atividades humanitárias. Há professos, que fazem votos de pobreza, castidade e obediência, e há cavaleiros e damas leigos, que não fazem votos religiosos, mas se comprometem com a missão da ordem.
Com origem militar nas Cruzadas, a Ordem de Malta hoje concentra sua atuação em ação humanitária e médica, ajuda a refugiados e vítimas de guerra, projetos de saúde, resgate e emergência e diversas obras sociais pelo mundo. Embora não tenha mais território próprio desde a perda de Malta em 1798, é reconhecida como sujeito de direito internacional, mantém relações diplomáticas com mais de 100 países e emite passaportes.
Dentro de suas muralhas históricas, Valletta abriga 5.157 moradores. Sua área metropolitana, porém, se estende por um conjunto de localidades contínuas que somam cerca de 393.938 habitantes. Floriana, Sliema, Gżira, Msida, Birkirkara, Qormi, Paola, Hamrun e outras cidades adjacentes circundam a velha cidadela como anéis de pedra e vida moderna, formando uma região urbana extensa ao redor do antigo bastião dos cavaleiros.
Arquitetura, miradouros e roteiros estratégicos
O desenho urbano concebido a partir de 1566 gerou uma concentração singular de edifícios históricos, hoje reinterpretados à luz da cidade contemporânea. Logo na entrada, o Parliament House (New Parliament Building / Il-Parlament), construído entre 2011 e 2015 e inaugurado em 4 de maio de 2015, abriga o Parlamento de Malta. Com arquitetura assinada pelo escritório de Renzo Piano, integra o projeto de regeneração de City Gate. O edifício em pedra gozitana incorpora soluções de eficiência energética, como geotermia e painéis solares, e redesenha o enquadramento urbanístico do principal acesso à capital.
A Church of Our Lady of Victory (Igreja da Nossa Senhora da Vitória), concluída em 1566, foi a primeira igreja de Valletta. Edificada por ordem e com financiamento do grão-mestre Jean Parisot de la Valette como agradecimento pela vitória no cerco, tornou-se o primeiro edifício da nova cidade e simboliza a ligação imediata entre fundação urbana e identidade religiosa e cerimonial da Ordem. Nas proximidades, a Auberge de Castille, cuja existência original remonta ao século XVI (cerca de 1573–1574, com projeto de Girolamo Cassar) e que foi reconstruída em estilo barroco entre 1741 e 1744 por Andrea Belli, é considerada um dos edifícios mais imponentes da capital. A antiga sede dos cavaleiros da língua de Castela, Leão e Portugal hoje abriga o gabinete do Primeiro-Ministro e preserva valor arquitetônico e simbólico excepcional.
A St. John’s Co-Cathedral, iniciada em 1572 e concluída por volta de 1577, foi projetada por Girolamo Cassar como igreja conventual e capela principal da Ordem. Seu interior ricamente barroco, obra de Mattia Preti, apresenta um pavimento com cerca de 400 tumbas de cavaleiros e abriga a maior e única obra assinada de Caravaggio, “The Beheading of Saint John the Baptist”, consolidando o templo como joia artística europeia. O Grandmaster’s Palace, edificado entre o final do século XVI e o século XVIII — com início de trabalhos em 1574 e incorporações de estruturas de 1569–1571 — foi residência oficial e sede administrativa do grão-mestre. Mais tarde, abrigou o Parlamento (1921–2015) e hoje é endereço do Gabinete do Presidente, com as State Rooms, a Palace Armoury e um acervo de forte valor patrimonial e museológico.
Entre os passeios mais emblemáticos estão os Upper Barrakka Gardens, situados no nível superior do Saints Peter and Paul Bastion, parte das fortificações do século XVI. Os arcos do terraço foram construídos em 1661 pelo cavaleiro italiano Fra Flaminio Balbiani, inicialmente como área de recreio privada destinada aos cavaleiros da língua italiana da Ordem de São João. Após a Revolta dos Sacerdotes, em 1775, o teto das arcadas foi removido e, depois do fim da ocupação francesa, em 1800, os jardins foram abertos ao público. Hoje, são um dos miradouros mais emblemáticos da capital, oferecendo vista panorâmica do Grand Harbour e das três cidades históricas — Birgu (Vittoriosa), Senglea (Isla) e Cospicua (Bormla) —, além de conexão com o Barrakka Lift e grande valor cênico e histórico.
Na Merchant Street, prevista no traçado urbano de 1566, o Is-Suq tal-Belt (Valletta Food Market) ocupa um edifício de mercado do século XIX, originalmente coberto em 1859 e reaberto como food market em 2018 após reabilitação. Hoje, o endereço reúne o comércio tradicional de rua, cafés, lojas e uma oferta gastronômica contemporânea em meio a edifícios históricos. A Casa Rocca Piccola, palacete originário do século XVI construído por Don Pietro La Rocca e há cerca de 350 anos residência da família de Piro, funciona como uma casa-museu viva. O espaço abre salas históricas ao público, exibe coleções privadas de trajes, rendas e mobiliário e preserva abrigos da Segunda Guerra no subsolo, oferecendo um raro olhar sobre a vida de uma família nobre maltesa ao longo dos séculos.
No extremo da península, o Fort St. Elmo, com estruturas já mencionadas desde o século XV, foi transformado em estrela-forte entre cerca de 1552 e a década de 1570. Construído e expandido pela Ordem de São João, com contribuição do engenheiro Pietro Pardo em parte dos trabalhos do século XVI e melhorias britânicas posteriores, o forte teve papel decisivo na defesa do ponto extremo da península e na proteção do Grand Harbour durante o Grande Cerco de 1565. Hoje, abriga o National War Museum, vistas amplas para o mar e permanece como monumento vivo da defesa mediterrânea.
A principal praça usada para concertos a céu aberto no centro histórico de Valletta é a St. George’s Square, que transforma seu cenário monumental em palco para eventos culturais e apresentações musicais. Cercada por edifícios históricos, a praça ganha vida com produções ao ar livre que misturam patrimônio, arte e a atmosfera vibrante da capital maltesa. Músicos de rua e shows ao vivo em bares são comuns pela cidade, e o antigo Royal Opera House, situado na parte alta de Valletta, funciona como sala de concerto a céu aberto, reforçando o vínculo entre arquitetura histórica e programação contemporânea.
Guias, bastidores e magia cinematográfica
Audrey Marie Bartolo é uma excelente escolha para conhecer Valletta: atriz em luta pelo estrelato e guia turística em Malta, ela conhece profundamente o país, fala inglês, maltês, italiano e espanhol, domina a rota audiovisual e conduz o visitante com um tom cômico que aproxima bastidores de produções e a vida cotidiana local.
Natal em Valletta é realmente especial: encanta crianças, envolve famílias e surpreende adultos com o charme quase cinematográfico que toma conta das ruas, praças e fachadas históricas. A cidade é naturalmente fotogênica, cenário de produções internacionais e um lugar que acolhe famílias, grupos de amigos, casais e todos que são apaixonados pela magia natalina.
Reportagem e foto: Mary de Aquino.