Localizada no sudeste da ilha, em Żejtun, a San Niklaw Estate ocupa uma área histórica que reúne vinhedos, uma capela do século XVII, cave de envelhecimento e um extenso olival. Fundada oficialmente em 2006, a propriedade pertence à família Cauchi há três gerações. John Cauchi representa a segunda geração no comando, enquanto seu filho, Gianni Cauchi, já integra a terceira geração da vinícola.
Mais do que um endereço produtivo, o local é um retrato vivo da viticultura maltesa, atividade presente na ilha desde os tempos dos fenícios e reforçada pelos romanos, como o próprio John relembrou durante a visita. “É da época dos romanos. Há remanescentes de produção de vinho desde então”, afirmou Cauchi ao explicar a escolha da família pela viticultura.
Produção artesanal com rigor absoluto
Toda a produção da San Niklaw é feita exclusivamente com uvas cultivadas na própria propriedade. Nada é comprado de fora. As edições são limitadas, a colheita é manual e passa por rigorosa seleção. O envelhecimento ocorre em barricas de carvalho francês, reforçando o compromisso com vinhos estruturados e de longa guarda.
A produção anual gira em torno de 10 mil garrafas, variando conforme o clima. “Geralmente produzimos cerca de 10.000 garrafas por ano, mas isso depende muito do tempo. Às vezes, quando está muito quente, o clima pode destruir parte das uvas”, explicou John Cauchi.
Sustentabilidade que começa na terra
Mais de 400 oliveiras fazem parte da paisagem da San Niklaw Estate, de onde também sai um azeite artesanal produzido em pequena escala. A propriedade investe continuamente em práticas sustentáveis, focadas na preservação ambiental e na eficiência agrícola, mantendo o equilíbrio entre tradição e responsabilidade ecológica.
Degustação íntima em ambiente histórico
Um dos grandes diferenciais da vinícola é a experiência de degustação oferecida aos visitantes. John Cauchi apresentou a exclusiva casa de provas, equipada com mesa central, sofás confortáveis, iluminação baixa e construção típica maltesa. O ambiente foi pensado para que o visitante se sinta em casa, entre amigos, em uma experiência sensorial completa.
Durante a apresentação, ele destacou a proposta dos vinhos mais antigos da casa. “Vocês vão provar dois vinhos com 17 anos. Um deles é branco, o que surpreende muitas pessoas, porque nem todos acreditam no envelhecimento de vinhos brancos”, disse Cauchi.
Rótulos raros que definem a identidade da vinícola
A San Niklaw trabalha com quatro rótulos principais, todos em quantidades pequenas e altamente controladas.
O Contrada Syrah & Mourvèdre 2016 expressa a potência do sol maltês. Segundo John, “o Syrah cresce muito bem aqui, ama o sol, dá vinhos muito concentrados e muito complexos, que mudam constantemente no copo”.
O Kappella Mourvèdre 2015 é um monovarietal raro na ilha. “É uma uva incomum, poucas pessoas conhecem. Produzimos quantidades muito pequenas, mas é um vinho incrível”, destacou.
O Despatch Sangiovese 2008 tem uma das histórias mais curiosas da casa. O nome homenageia um antigo navio mercante chamado Despatch, que fazia rotas entre Malta e a Itália. O vinho ganhou destaque internacional ao vencer um tasting às cegas contra três grandes rótulos da Toscana. “Ele foi votado como o melhor vinho da noite, superando três toscanos”, relembrou Cauchi.
Já o Neptunus Vermentino impressiona pela mineralidade. O vinho apresenta notas de petróleo e frutas secas, características pouco comuns em brancos. “Quando você cheira, sente notas de petróleo, como em alguns rieslings alemães. Isso mostra a mineralidade do vinho”, explicou.
Harmonização que valoriza a gastronomia local
Enquanto a família Cauchi apresentava os quatro rótulos da casa, o chef Karl Mallia, do projeto Cooking Out of the Box, foi responsável pela harmonização dos pratos. Cada vinho foi combinado com receitas que dialogam com os sabores do Mediterrâneo e com os ingredientes de Malta, criando uma experiência gastronômica que reforça a identidade da ilha.
Vinhos que nascem para poucos
A San Niklaw abastece apenas restaurantes muito selecionados, incluindo casas com estrela Michelin em Malta, além de lojas especializadas em vinhos finos. A exportação chegou a ser feita para Londres, mas foi interrompida após a pandemia devido ao aumento expressivo dos custos logísticos.
A proposta nunca foi o volume, e sim a exclusividade. Cada garrafa nasce com a missão de representar não apenas um estilo, mas séculos de história, clima extremo, trabalho manual e uma filosofia que privilegia o tempo.
A Ascensão do Enoturismo em Malta
No município de Paola, destacam-se duas casas históricas do vinho maltês: Emmanuel Delicata, fundada em 1907, e Marsovin, referência na modernização do setor. Em Siġġiewi, surgem projetos de pequena escala, como a elegante Mar Casar e a sofisticada Ta’ Betta Wine Estates, ambas cercadas por colinas calcárias e um clima rural preservado. Em Ta’ Qali, no coração de Malta, está a Meridiana Wine Estate, conhecida por transformar solos quentes e calcários em rótulos de forte identidade mediterrânea. A ilha de Gozo reúne algumas das joias mais artesanais, como Ta’ Mena e Tal-Massar, produtoras que mantêm viva a tradição agrícola goesa. Já a San Niklaw Estate, situada entre Żejtun, Marsaxlokk e Marsascala, reforça a característica insular de pequenas propriedades distribuídas por microterritórios de cultivo.
Apesar de ser um país pequeno, Malta oferece uma produção de vinhos surpreendentemente sofisticada, marcada por vinícolas boutique e por produtores locais que frequentemente recebem o visitante em pessoa. O resultado é uma rota de vinhos de luxo única e exclusiva — experiências e rótulos que, na maior parte das vezes, só podem ser degustados em Malta.
Reportagem e fotos: Mary de Aquino.